quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Adeus, ano muito velho!



Em outubro de 1983, na época do governo Reagan, os Estados Unidos lideraram a invasão de Granada, um país bem pequenininho que ocupa umas duas ilhas caribenhas. O resultado foi algo em torno de uma centena de mortes e a deposição do Governador Geral. Logo depois desses fatos, chegou o mês de novembro trazendo uma enxurrada de propagandas natalinas acompanhadas daqueles filmes lotados de americanos sorridentes exclamando MarryXmas! o tempo todo. Pois foi nesse clima que se desenhou na minha caixola um cartão macabro traduzindo o meu sentimento com tudo aquilo. Resolvi dar realidade à ideia com uma xilogravura. A intenção era fazer muitas cópias: sementes-imagens capazes de multiplicar o poder de meu protesto gráfico. Acabei não conseguindo uma prensa e fiz apenas cinco impressões em papel de seda. Vinte e nove anos depois, de posse da magia de clonagem de pixels, entrego uma réplica do meu esbravejar ligeiramente ingênuo e melodramático a quem quiser.


XXXmas!
Xilogravura  12 x 20 cm

sábado, 15 de dezembro de 2012

“O INFERNO SÃO OS OUTROS”???

No final de 2011 – Dio mio, já faz um ano! – eu e mais seis ou sete professores de física do cefet formamos um grupo para estudar e discutir Fundamentos de Mecânica Quântica. Após um brainstorm inicial, escolhemos e separamos a bibliografia básica, seguindo principalmente as sugestões de nosso mentor-mor e integrante do grupo, Antônio Domingues. Acho que a reunião de seres para conversar é, mais que uma atividade agradável, um privilégio da raça humana. Se acrescentamos a isso um objeto de discussão, criamos uma aventura de pensamento que pra mim consiste em um dos maiores deleites advindos do convívio social. Pode parecer bizarro para quem nunca teve uma experiência semelhante, mas passar algumas horas discutindo física, metafísica e filosofia da ciência é muito divertido. Um grande prazer trabalhar assim.
Em contraste com o mundo ordenado de um professor-pesquisador, quando pensei em viver da arte, não fiz nada de maneira institucionalizada. Em parte porque queria mostrar para mim mesmo e para todos (Caramba! Quanta arrogância!) que sendo amador-artista, no sentido de só fazer o que realmente gostasse, alcançaria o sucesso. Em parte consegui. Consegui ser amador... Bem, me perdoem vocês que se mantêm resignados na leitura desse texto até agora, se parece que vou começar a desfiar queixas e lamúrias. Nada disso! Cometi essa desinconfidência só pra dizer que nunca pude formar, de verdade, um grupo de discussão em que o assunto fosse Arte. Cheguei a tentar, mas eu tinha acabado de viver no ambiente acadêmico da Ciência, e meus colegas das tintas ficavam querendo que eu explicasse o que era física quântica (sim, parece um karma). E perguntavam se eu não via a dualidade onda-partícula em qualquer canto de tudo quanto era quadro. Achavam tudo muito lindo e interessante. Eu queria outras ideias e não tive paciência, passando a considerar aquele grupo um bando de malucos (novamente: Caramba! Quanta arrogância!). Enfim, não funcionou e fizemos pouquíssimos encontros..
Nessa época, um pintor, que era amigo de um dos artistas que dividiam comigo o aluguel do atelier, pediu para passar algumas noites dormindo num colchonete em um dos cômodos (tempos difíceis). Ele não fazia parte do pseudogrupo de discussões, mas participou de uma reunião. Eu estava mostrando e comentando alguns trabalhos meus, quando ele falou um negócio que ainda me faz pensar: “Cara, eu acho seus quadros bem legais, mas você tem que tomar cuidado pra eles não ficarem anedóticos. A pintura só deve servir à pintura, não deve contar historinhas. Você é muito literário...”
Well, well, well... Até hoje eu não sei a quem a pintura deve servir e sempre acho que os meus quadros e desenhos são anedóticos. Este que jogo hoje na nuvem é, provavelmente, um dos exemplos mais típicos dentre todos. E confesso que ele quer mesmo, pelo menos um pouco, contar em cores essas historinhas que acabam de ser apalavradas.

Grupo de Pesquisa
Óleo sobre tela, 110 x 90 cm

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Que Eu Queria Mesmo Era...



A cena acontece em um restaurante-boteco, no fim do século passado (1999, se não me falha a memória). Estamos conversando eu e mais quatro professores de um Centro Universitário que fica ali bem pertinho. Um deles acaba de publicar um livro de poesias-altíssimo-nível e ficamos todos entusiasmados com a ideia de que é sim possível produzir arte de verdade, independentemente de se ganhar ou não o pão de cada dia com esse trabalho. Lá pelas tantas, alguém cita uma frase ouvida diretamente de um dos irmãos Campos (creio que do Haroldo, mas não garanto...): “Não tem outro jeito, na arte, como em qualquer atividade, o importante é manter a produção.”
Acho que foi também o eco dessas palavras um dos motivos para que eu criasse este blog, lá no comecinho de 2012. Algo que contribuísse para manter meu foco no compromisso, com sei-lá-quem, de publicar os trecos que ficam aí embaixo.
Mas então...
Uma fibrilação atrial, um mega-vazamento de água em minha casa e uma greve bagunçaram meus planos tão plenamente planejados, e com a maior facilidade. Sim, sim, sim, sempre podemos construir muros e obstáculos assentando esses tijolinhos de desculpas. Um espirito de insurreição, no entanto, ainda vive aqui dentro!
De modo que as linhas e cores oferecidas aqui marcam o (re)início da minha batalha (já vitoriosa) contra a pasmaceira.
Ah, nesta empreitada, troquei o TwistedBrush pelo simpaticíssimo MyPaint (também gratuito), que se mostrou fabuloso pra quem gosta de aquarela.


Reflexões

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Pulando do Abismo pro Fio da Navalha


Uma vez, um amigo me perguntou qual linguagem artística mais me agradava. Sem parar pra pensar (pensei junto com as cordas vocais, eu acho), fui falando em ordem: primeiro a Literatura – ler é um prazer tão grande que precisa inventar um adjetivo pra qualificar; logo depois vem o Cinema – fiz uma sala de exibição em casa e sou capaz de assistir dez filmes seguidos; em terceiro...“Epa, péra la” era meu interlocutor reclamando: “você não é pintor? Que papo é esse de livro e filme?”
Pois é, pintura, pra mim, tem uma importância infinita na hora de fazer, mas quando eu sou plateia, não me toca tanto quanto um bom livro ou filme. Sim, sim, claro que já me deliciei muito com tantos e tantos quadros, desenhos e gravuras que atravessaram meu caminho. Pintar, no entanto, especialmente com tinta a óleo, é uma ação que pertence a outra esfera. Demoro muito em cada quadro, é um trabalho em que estou sempre presente. Nada de ações mecânicas, cada passo com uma solene obrigação de me conduzir para algum lugar...embora eu não saiba aonde. Nesse ponto, reside o aspecto mais potente e exasperante do processo: há um aprendizado ininterrupto que quase não deixa respirar. É como pular de paraquedas o tempo todo.
Este quadro, que eu apresento agora, ocupa a parede principal de minha sala. Talvez porque foi durante sua confecção que percebi conscientemente esse sentimento que descrevi. Foi quando descobri que pintar era assim.




Cinderella
oleo sobre tela 140 x 80 cm

domingo, 6 de maio de 2012

Labirinto



Uma ponta: Enquanto eu vejo uma criança brincar com lápis e papel, desmorona em cima de mim uma lembrança das primeiras vezes que tive a percepção de que um desenho no papel criava um mundo inteiro, do jeito que eu quisesse. Aquilo que eu concebesse nas linhas de grafite podia ter qualquer forma que eu conseguisse dar. Essa ideia foi o presente mais valioso, dentre tantos, que recebi de meu padrinho-tio-avô Armando Sgarbi. Criar era assim, escorrer um risco sobre um plano. Magica maravilhosamente simples e poderosa.

A outra: De todas as mitologias, a grega foi a que me acompanhou desde sempre. Tenho a impressão de que leram pra mim “Os Doze trabalhos de Hércules” de Monteiro Lobato antes de eu nascer. Nesse mar de historias, foi delicioso pensar que havíamos (os humanos) inventado um ciclo perfeito: Criamos um monte de seres míticos cuja principal função era criar-nos. Um conjunto fantástico de imagens e historias birutas que evitam a razão e o pensamento e falam diretamente com o sonho.

Juntando as duas: Toda vez que ouço a palavra Criação, emendo com traço e mito. Foi dessa união que surgiu o espécime que aparece logo abaixo. Tinha sido batizado Minotauro, mas mudei o nome em homenagem a Jorge Luis Borges que me mostrou que era possível misturar as cores da logica e do verbo com aquelas do inconsciente e da vida.



A Casa de Asterion
desenho digital feito com o mesmo software de sempre


sexta-feira, 30 de março de 2012

Espesso Tempo, tento.


O Chico (ou o Paulo) Caruso disse uma vez que toda criança gosta de desenhar, mas conforme cresce vai parando. O desenhista profissional é alguém que, por alguma razão, não parou. Comigo foi assim, só que nunca cheguei nem perto de viver do traço. Quando me aproximei da arte com pretensões mais sérias, pensei na pintura.
Se bem que, pra falar a verdade, no começo eu achava que pintura era desenhar colorido. Só o tempo impregnado de tinta me mostrou o verdadeiro deleite que é fazer as cores alcançarem a tela.
O resultado da primeira tentativa que considero bem sucedida, na minha travessia de desenhista para pintor, é o trabalho aí embaixo. É também um tema bíblicorreligioso, pra fazer companhia à postagem anterior.



Última Ceia
Óleo sobre Tela  90 x 80 cm

terça-feira, 20 de março de 2012

Mitos, Arquétipos e Lendas, todos na paz do Senhor


Não conheço uma criança sequer que despreze a chance de ouvir historias da Bíblia. Seja no Velho ou Novo Testamento, as passagens tem todos os elementos pra conquistar as mentes infantis. Heróis, Vilões, amores, batalhas e muita magia e fatos fantásticos. Bem, eu pelo menos adorava. Discutia com meus pais, meu irmão e, eventualmente algum amigo, incauto defensor de sua crença: “Poxa, então será que o Sansão era idiota?” ou “Depois que o Lazaro reviveu, nunca mais ficou doente?” ou ainda “No Diluvio, quem ficou responsável pela preservação das especies da América do Sul? E da Austrália, aquele monte de bicho esquisito?”. Minha cabeça fervilhava distante do fervor religioso. Nunca fomos frequentadores de igrejas, templos ou qualquer tipo de lugar dessa índole.

Uma vez, na escola onde eu fazia o curso primário, estávamos nós, aquele bando de pirralhos, formados pra entrar em sala, quando a Tia Fulaninha da Secretaria pegou a mão do primeiro da fila e foi desviando do caminho, dizendo que, naquele dia, tinha vindo um padre (reparem que era uma escola municipal, e não daquelas ricas de freira nem nada) e “a gente ia se confessar” antes da aula. Eu sei que nessa hora me bateu um baita desespero: “Que mané padre que nada! Eu não fiz coisa errada, não vou confessar droga nenhuma! Quem tivesse vacilado que se acusasse.”
Nisso, a Tia Marielena percebeu minha indignação e disse que não era obrigado a nada não, só quem tivesse feito Primeira Comunhão. Eu pensei “dessa me livrei!”. Quase gritando, falei pra professora “Não participei disso não, Tia, tô inocente na parada!”. Lembro que sai correndo da fila, pensando que quando fizesse a Primeira, ia tentar fazer sem Munhão.

Pois mesmo assim, apesar do abismo entre meu cotidiano e o formalismo religioso, as influências são muitas. Fiz vários desenhos e pinturas com temas bíblicos. Este, que deixo com vocês agora, foi cometido no século passado. Estava guardado sem o devido cuidado e, um dia quando que fui ver, tinha ficado todo oxidado e amassado. Na mesma hora, fotografei-o e guardei o arquivo em 'Meus Documentos'. Pura sorte! Menos de um mês depois, alguém que arrumava a minha casa pegou aquele papel enrolado (tamanho A2, ou coisa que o valha) e jogou no lixo pra nunca mais.  



Álbum de Família ou Deus com Adão e Eva
Desenho a nanquim com cerca de 80 por 60 cm, recuperado digitalmente a partir de uma fotografia

sexta-feira, 9 de março de 2012

CNPq...e por aí vai


Meu pai, quando criança, foi muito, muito, muito pobre. Tinha um padrasto de contos de fadas, ou pior, e era obrigado a trabalhar de verdade desde os cinco anos pelo menos. Foi corajoso e forte, como só os pais e mães sabem ser, e superou todos os abismos e barreiras para se tornar uma das melhores pessoas que tive oportunidade de conhecer, alcançando uma doçura quase inacreditável em vista da dureza de sua vida. Não alcançou no entanto o deleite das artes. Esse foi um mundo em que eu acho que nunca mergulhou. Foi ser militar da Aeronáutica.
Meu pai também não era cientista. Era, no entanto, um entusiasta da ciência. Provavelmente, das ideias que ele dividia comigo na minha infância, a que adotei com maior cumplicidade foi sua crença quase religiosa no poder do pensamento cientifico, em sua capacidade de compreender e modificar o mundo e, principalmente, resolver todos os problemas da humanidade. Lembro que os primeiros livros que li, logo depois de deixar minha condição de analfabeto, faziam parte de uma coleção de divulgação de física para crianças e tinham os títulos 'O Átomo' e 'Magnetismo'. Esse meu inicio como leitor, além de me fazer parecer um extraterrestre aos olhos dos amigos da mesma idade, foi obviamente preponderante nas escolhas que me conduziram 'a carreira de Físico.
Esse blablablá inicial não está aqui, de maneira nenhuma, para apresentar as imagens postadas agora como representações dessa ou daquela ideia cientifica. Cruz credo! Tem, isso sim, a intenção de dividir com vocês um sentimento, ou uma fracão dele ainda presente no trabalho aí de baixo, que nasce na cabeça de um menino de cinco anos que vê maravilhado a beleza das ilustrações de Gustave Dore para o livro de Fabulas de La Fontaine e, ao mesmo tempo, pensa em como aquilo que ele segura, o papel e mesmo a tinta das gravuras, se constrói com zilhões e zilhões de prótons, elétrons e nêutrons.


Hubble
Desenho digital criado com TwistedBrush Open Studio

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

OQUEPORQUEPRAQUE



(ou MISTURANDO AS TINTAS DO GATO SUTIL)

Há uma quantidade já indefinida de anos, vi uma entrevista do Ziraldo em que ele dizia que o uso do computador como ferramenta para desenho, ilustração e, acho, arte em geral era como dar ao artista os poderes do “gato sutil”. E explicava: O “gato sutil”, quando recebia como refeição uma tigela de café com leite, bebia somente o leite. Claro que temos um preço alto a pagar, porque a beleza que experimentamos quando vemos arte digital ainda (ainda!!) é muito pobrezinha se comparada `a obra que vem produzida em mídia de lona ou papel ou todos esses suportes com tramas e farpas.

Penso, contudo, que não dava pra esperar mesmo, até por justiça, que o milagre da multiplicação saísse de graça.
Nem por isso deixa de ser um milagre. Podemos ter arte do mundo todo (cópias pobrinhas, eu sei, tudo bem. Mas podemos!) , de todas as épocas e vertentes, na ponta dos dedos. Que legal!!!

Desse modo, armado com essa ideia, entendi que seria interessante jogar na nuvem as sombras digitais de minhas pinturas e desenhos que até então habitavam apenas as paredes e gavetas lá de casa.
E além disso, publicar os desenhos que já nasceram fantasmagorias de pixels, concebidos com a ajuda de uma mesinha digitalizadora muito mixuruca.

Sempre me disseram que a ultima etapa de um trabalho é a exposição...então, taí!

Finalmente, eu gosto muito da possibilidade de ouvir, ou ler, as opiniões e ideias dos outros sobre aquilo que fiz. Discutir - pensar em bando - é certamente um dos maiores prazeres dessa vida, e temos tanto pra perguntar … Por exemplo, naquela história do gato, o que se fazia depois com o café?



Facebook
Desenho digital produzido com o programa (gratuito) TwistedBrush Open Studio.



Senhor Arthur
Xilogravura
25 x 19 cm