segunda-feira, 30 de junho de 2014

“Tudo é feito de átomos”


Esta foi uma das primeiras frases que li e significou uma revelação fantástica, ocupando lugar de destaque no meu conjunto de eventos importantíssimos. Sabe aqueles fatos que marcam uma quebra, uma mudança de tudo? Você era um antes dele e ficou outro, bem diferente, depois. Então, foi assim, ganhei poderes de enxergar estruturas que quase ninguém mais via. Estava entendendo o mundo e era capaz de reconstruir qualquer coisa, na minha cabeça, com aqueles tijolinhos fantásticos, os Átomos.
Pois é, o tempo continuou girando as rodas e as mentes e aconteceu que, muitos e muitos passos depois, Shakespeare me conduziu a uma nova guinada: “somos feitos da mesma matéria dos sonhos”. Pronto! um Tsunami poderosíssimo que não deixou próton sobre próton e chegou justamente quando eu começava a sentir a frustração de não ter conseguido jamais encontrar a fórmula molecular da paixão, ou do riso, ou da surpresa. Muitas das engrenagens que erguiam, sustentavam e construíam meu universo desmantelaram e receberam um revestimento de intenções, desejos e de mágica. Novo cenário, novo eu - tudo é feito com os átomos que nós sonhamos!
As rodas persistiam girando e girando (é sempre assim?) e o descompasso entre pulso e pensamento transbordou: escrevi uma peça, interrompi o mestrado em física, fui ser pintor.
Principiou um vai e vem sem fim de tintas e quarks, poesia e leptons, com voltas, voltas e mais voltas e eis que estou, nesse tempo que acontece agora, um professor (mais comum do que deveria) diante de uma turma com trinta alunos, falando de estrutura da matéria: “tudo é feito de...” lá ia eu, seguindo o trilho, repetindo tudo que se repete, sem deixar nem um dedinho de prosa pro bardo inglês.
Ôpa, ôpa, ôpa! pópará!
Pisa rápido num freio qualquer!
Ou então acelera esse trem pra fora da estrada e tira o cinto de segurança!
Ah, e trinca os dentes...que o mergulho vem chegando, ô se vem!


Dropbox

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Sempreensão


Muitas vezes já vi artistas, escritores e músicos falando de sua formação e, num certo ponto da história, contam da época em que eram crianças, e que suas casas eram povoadas ou visitadas por gente super importante do meio e vêm coisas do tipo “via meu pai tocando com o Chico e o Caetano” ou “o Drummond lia poesia pra mim toda vez que passava lá em casa pra um cafezinho”. E aí fica bem clara a enorme importância que essa convivência teve para as escolhas e caminhos seguidos na vida deles e tudo mais.
Na minha infância, nunca cheguei perto de ninguém que fosse influente no mundo da cultura, da ciência ou de qualquer coisa desse tipo. Mas tive algo semelhante a isso...nas reuniões de família que aconteciam na casa da minha bisavó Anna (Nica) Sgarbi. Naqueles dias que pra mim eram pra lá de especiais, os almoços eram festas de delícias inesquecíveis, mas o que vinha depois ...ah, isso sim é que fazia meu tempo ficar e ser: alguns tios e primos de segundo grau iam pra varanda e ficavam conversando sobre coisas e mais coisas estrangeiras ao meu mundo de dez-onze anos de idade. Falavam de política, assunto perigoso para aquelas datas, de cinema, literatura, música. E eu sorvia cada palavra tão quieto e atento como é possível alguém ficar. E, sim, vejo diversos fragmentos de frases e ideias recolhidas naquela varanda que estão pendurados em mim, aqui e ali, até hoje. E seriam eles que estariam no meu depoimento, se algum dia eu tivesse que fazê-lo aos moldes dos que citei lá no começo.
Eis (finalmente!) o que queria dizer: que fico bastante tentado a definir uma conversa perfeita como um encontro que reproduza aquele espírito trazendo pra mim o entusiasmo de pensar e pensar e pensar. Esse é um tema recorrente e já raspei por ele em outras postagens (“O Inferno são os Outros?”). Mas vejo que dei voltas e mais voltas pra levantar um falso testemunho, porque, nesse ponto, a porca torce o rabo e sou obrigado a reconhecer que não é bem assim. Que fica faltando um treco fundamental, mais profundo e precioso pra moldar a MINHA CONVERSA PERFEITA. Esse elemento que veio em profusão no DNA dos três filhos de meus pais: uma felicidade infinita que só se faz presente pra mim e para meus irmãos se pudermos oferecer as palavras com o peito completa e absolutamente aberto, vulnerável. Não tem tanto a ver com a ideia que vamos dividir , mas com uma partilha de si próprio. Chegar tão pertopertíssimo quanto possível e dar mais um passo ainda. A gente treinou tanto isso, um com o outro, que se não for assim, não tem graça, ou perde muito. É o qualquer-coisa-que-não-sei-o-que nascido desse momento que eu não troco por nada nesse mundo! Nessa hora, estou em casa.

Gameofthrones


domingo, 1 de junho de 2014

Ultrassonografia


Passeando pela web, vi uma fotografia do mar que envolve a costa do Rio de Janeiro. Nada mais comum, se não fosse pela hora e meteorologia do momento do click, final da tarde de um dia de chuva numa praia praticamente deserta. Olhei aquilo e percebi que estava prestes a recuperar algo que já tinha possuído. Esperei muito pouquinho até a lembrança chegar: lá estou eu, com menos de vinte anos, hospedado com mais um batalhão de amigos, numa casa de veraneio na praia do Peró. Assim como na imagem da tela do computador, a luz do dia já se vai e começa a cair uma chuva bem fininha, poeira de água. Todos voltaram para casa, menos eu. Resolvi dar mais um mergulho na água que parece agora feita de outra substância mais grave, como se ensaiasse uma tentativa de virar mercurio. Afundo completamente, saindo do alcance do som e da luz e no momento meu cérebro tem apenas o tato para receber qualquer mensagem do mundo. Desse modo, fico com a impressão de que tudo que sobrou da existência inteira se resume àquilo que se passa na minha cabeça, e que se me esforçar um pouco, posso realizar qualquer milagre e inventar todos os universos. Mesmo sem a memória de tudo que pensei, sei que não foi o suficiente. O oxigênio terminou antes da CRIAÇÃO. Passo a boiar de costas e recuperei a visão. Habito um mundo em que o chão e o ar são feitos de água. Os barulhos quase todos ainda ausentes dos ouvidos submersos. Nesse momento é que eu noto o que está esquisito: houve uma inversão e aquilo que os meus sentidos me dizem parece mais abstrato que as ideias nascidas nas dimensões interiores. Começo a nadar recuperando o desejo de apoiar os pés na areia e vou mirando as luzes das casas na praia que ficou distante por culpa de alguma corrente me levando mar adentro. Alcanço afinal um elemento sólido e ando percebendo pela primeira vez (ao que recordo) que tenho ossos e que eles me constroem. Caminho pra casa com uma expectativa muito forte de que a qualquer momento posso flutuar.

Lição de Anatomia