domingo, 28 de dezembro de 2014

Só a resposta a caneta

Seis da matina quando chegamos à rodoviária de São Sebastião, depois de sete horas de viagem. Tempo feio e eu com uma gripe miserável. Faltava pegar um táxi pra Maresias, que era lá que ia acontecer o XV EPEF, Encontro de Pesquisa em Ensino de Física.
Bom dia! Leva a gente pra Maresias? O taxista, um senhor que parecia ser feito de um material um pouco mais denso do que o indicado para seres humanos, respondeu com sotaque nordestino “à vontade, pode entrar...a corrida sai por oitenta reais”.
Droga! Tinham me falado que daria cinquenta no máximo. Senti um desconforto com a possibilidade de alguma pilantragem. Ter que ficar atento a essas pequenas disputas era a última coisa que queria naquele momento. Preferi então acreditar em uma explicação inflacionária, para poder voltar ao meu estado habitual e tratar o motorista como um bom e honesto camarada. Relaxei e comecei a aproveitar a paisagem, esquecer a febre e o mal estar. Larguei os pensamentos. O ano, o mais complicado da minha vida, estava chegando ao fim e marcava duas ideias bem claras e distintas na minha cabeça. A primeira, exagerada pela virose, uma vontade desmedida de voltar a ter um lugar confortável pra ser e estar. A segunda, mantida sempre acesa ao custo da dedicação do conhecimento, a atenção cuidadosa com tudo que possa esbarrar em meus sentidos (viver e sentir de olhos abertos...olhos abertos).

“...era um avião particular, tinha caído há anos. Só acharam os pedaços agora, outro dia...” A voz ao meu lado me trouxe de volta à estrada (ouvidos abertos também!). Falava de um monomotor (?) que batera na escosta do morro que passava por nós...pausa e ...Fim. Voltei pro lado de dentro, não deixando de mirar o céu de nuvens pesadas. Tentava, sem sucesso, recuperar, nem que fosse só de lembrança, a alegria imensa que sentira em outras chegadas, a outros destinos, em outros tempos.
A entonação alagoana (essa origem geográfica tinha sido revelada algumas curvas atrás) voltou a reverberar “...sim senhor, tenho trinta e seis filhos!”
Sério mesmo? Trinta e seis?!
“Por certo!”
Vixe!!! Eu, com uma só, não dou conta!
“...com seis mulheres!”
Caramba!
“Com duas eu casei, com outras quatro só fui amasiado...”
Nossamãe!
“...pois tenho setenta e quatro anos e muita disposição!”
Puxa!
“e trabalho no táxi doze horas por dia, pelo menos!”
Parecia que ia desafiar todos os recordes, mas falava sem exagerar orgulhos e arrogâncias. E não tinha nada de confessional, era como um relatório de atividades e resultados para algum CNPq da vida.
Seguimos com aquela prosa contábil cheia de temperos que, mesmo agora, não sei identificar. Quando estacionou na porta do hotel, recebeu os oitenta reais com uma postura que deve ser comum em um mundo sem espaço para dúvidas e incertezas. 

Apertou nossas mãos vigorosamente como quem diz “Coragem! Já vivi as histórias todas, muitas vezes! É assim mesmo! É só seguir em frente...”

Reflexões II
ou
Por um painosso e dez avemarias