terça-feira, 30 de agosto de 2016

Coletivo de Espectador

O espetáculo deve começar a qualquer momento.

Pelo menos, essa é a expectativa da plateia, eu entre eles.
As luzes já se apagaram há um bom tempo (o terceiro sinal soou?) e em vários instantes pensei ver a cortina ameaçar o movimento de abertura. Mas não, continuamos aqui, submersos na semi escuridão da espera, num estado que se situa entre ter-algo-pra-falar-e-falar e ter-algo-pra-ouvir-e-ouvir. Qualquer tentativa de engatar uma conversa de verdade, interessante, que preencha o tempo, parece ser minada por uma espécie de pressa ou ansiedade por aguardar. Então, ficamos todos aqui, parados e de prontidão.
Pela ausência de luz, não posso ver, mas adivinho o mesmo incômodo nos rostos ao meu redor, paralisados na sequência de um ritual que parece ter falhado ou se quebrado e, no entanto não se pode questionar.
Na minha imaginação, sonho com um foco de luz que proclama minha coragem e me vejo levantando e bradando “pra mim, chega!”, abrindo caminho para a saída com uma multidão de indignados a me seguir. Desperto do desvario ainda no silêncio oco da minha imobilidade vegetal. Um fiapo de pensamento me dá esperança: “ainda que não seja eu, alguém vai derrubar a ordem e acabar com isso”.
Por vezes, descubro que nem lembro bem o que se passava na minha cabeça antes de chegar a esse ponto inerte, aqui e agora.
Só sei que a vontade é de expandir, sair e viver.
Mas ...“calma, sossega...”

Enfim, o espetáculo deve começar a qualquer momento.


da Sala de Jantar