Confiança,
a essência e o sumo dessa palavra preenchem pelo menos noventa por
cento dos meus poros desde que me entendo por gente. Nas conversas
eternas com meu irmão, eu sempre falava da certeza de que tudo ia
dar certo e de como as pessoas à nossa volta estavam sempre tramando
alguma coisa para me fazer mais e mais feliz. A primeira vez que me
lembro de me sentir mais vulnerável tem a data do nascimento de
minha irmã, doze anos mais nova que eu. A paixão incondicional por
aquela pessoa minúscula e absolutamente frágil me fez ver de forma
muito clara (como nunca tinha visto antes) os espinhos e arestas do
mundo inteiro. As rochas que serviam de lastro para minha
anti-paranóia continuavam razoavelmente firmes. Mas nada seria como
antes, nunca mais. Lembro que, nessa época, passou a ocupar a minha
agenda uma preocupação extrema com o
cuidar-da-delicadeza-de-todas-as-coisas. Preocupação que fica bastante hipertrofiada com uma tragédia que mata mais de duzentas pessoas (a
maioria delas tão jovens) num piscar de olhos.
Existe,
é claro, uma parcela considerável do meu espírito que insiste em
permanecer com catorze, quinze anos no máximo, e que, mesmo agora,
me faz ouvir suas perguntas: Será então que vamos ter que virar
todos nós vovozinhas servindo sopas e caldos quentes? Não vê que a
vida flui incontestável por qualquer artéria que se preze? Não vê
que é assim mesmo? Que “viver é muito perigoso”?
Percebo
que não sei preencher esse questionário. Mergulhei de cabeça no
mar de dúvidas e voltei de mãos vazias. Cuspi muita água e muito
sal e nenhuma resposta...
Um gole de chumbo
Desenho digital feito com o programa MyPaint