sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Para Marise, com amor e sordidez

O que eu aprendi foi mais ou menos assim, você cresce, encontra uma pessoa especial que gosta de você e vice versa. Aí, juntos, constroem uma casa, uma família, uma vida, enfim.
Que droga! Não quero ficar aqui fazendo papel de idiota romântico, mas, caramba!, passei quarenta e poucos anos da minha existência convivendo quase que diariamente com um casal irremediavelmente apaixonado, até o último suspiro consciente do meu pai: quando entrou na UTI (da qual não sairia mais com vida) pediu para o maqueiro retornar um pouquinho até a porta, olhou pra minha mãe e disse com o que lhe restava de voz “eu te amo”. Depois de aprender que sempre veria os dois de mãos dadas, andando, vendo televisão ou sentados à mesa, ainda presenciei essa cena que, eu acho, vai ser eternamente a minha definição de amor. Tendo testemunhado essas e outras milhares de preciosidades, não havia muita chance mesmo de ser uma pessoa normal.
Vi e convivi com muitas e muitas outras duplas e parcerias que não carregavam esse exagero quase fantasioso, mas não o suficiente pra consertar minha visão de relacionamentos.

A imagem que lhes entrego agora foi a pintura que mais me deu trabalho nessa vida. Nela eu fiz um enorme esforço pra enxergar além do universo de carinho infinito que me construiu na infância, adolescência e boa parte da idade adulta. Tentei misturar um pouco mais de ego e sordidez ao amálgama que eu vi insistentemente se desenhando perto da perfeição. Coloquei um pouco de mim, dos espinhos que já vieram comigo, mas mantive a esperança de preservar a beleza das cores que me aquecem em qualquer noite de inverno.

Projetista
Óleo sobre Tela
90 x 110 cm

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

"After many a summer"

Nunca, nesses anos todos que já somam quase cinquenta, experimentei qualquer estado de espírito que me fizesse sentir longe da minha juventude (às vezes, tenho dificuldade em acreditar que não estou ainda no final da adolescência). Mas, outro dia, com minha imagem no espelho, vieram as palavras “Esses óculos e esse cabelo me mostram mais gasto e fora do tempo”. Assim que o pensamento se espalhou pelos meus olhos, entendi que se tratava de um sentimento inédito, uma novidade. Não que eu nunca tivesse percebido o relógio andando, claro que eu percebi. Não sou tão doido. Mas a noção plena e profunda de que a entropia vai me embalando por caminhos que parecem inevitáveis não tinha sorrido com tal clareza, a ponto de fazer a saliva mudar de gosto.
Na mesma hora subiu uma palpitação-fibrilativa-taquicárdica num sobressalto de urgência: “Cara! Levanta, carrega a vida e vai! Corre!”.
Tudo bem que prática de ficar impassível diante do meu reflexo me impediu de surtar. Só que dessa vez não dava pra guardar o pulso em nenhum esconderijo, tive que começar um movimento. De verdade!
Sim, eu passei um bocado de tempo alimentando minhas paixões com Lexotan. ®. Tanto é, que não tenho ainda o timing pra mergulhar de cabeça, do jeito que o desejo exige. E, sim, foi preciso levar um tombo feio pra caramba para a letargia, sempre tão presente, ir escorrendo por aí, a ponto de agora só conseguir perceber dela alguns vestígios. Mas o fato é que saltei para um plano vital que tinha ficado fora da mira por uma eternidade. Que legal!
Pois então, é assim: pintar, voar, estudar física e filosofia e arte para entender o mundo, ensinar, desenhar e fazer poesia com isso tudo! Está quase difícil não sair atropelando os passos feito louco...
É bom à beça ver que estou próximo de ter que pedir “paciência!” (alguma, pelo menos) pra não derrapar em demasia
e vâmo que vâmo!!


Autoavaliação