Houve
um tempo, quando eu fazia minhas primeiras inexperiências no mister
de ensinar física, em que uma danada duma pergunta aparecia e me
incomodava, quase sempre no início do ano letivo. Em geral, nascia
na boca de algum aluno que ainda não tinha frequentado os cursos de
Resignação I e II: “Professor, pra que serve isso que o senhor
está fazendo?” e às vezes emendava “se eu não for virar
cientista, pra que isso vai ser importante na minha vida?”. O
tantão de tempo que já passou serviu pra me convencer de que só o
fato de alguém construir uma frase terminada com esse “?” já é
um motivo de comemoração, e nunca (ou quase nunca) um tormento.
Ela, a frase, é uma oportunidade de usarmos aqueles próximos
minutos pra ficarmos todos um pouquinho maiores, um pouquinho mais
vulneráveis (sim, isso é bom!) e um pouquinho menos velhinhos.
Hoje
também, quase nunca me vejo nessa busca incômoda por justificar as
ações (do tipo 'ensinar física', 'pintar um quadro', 'escrever/ler
poesia') com razões e motivos nobres, como se qualquer coisa
precisasse ter uma função que lhe desse o direito de existir sem
dor na consciência. Mas a ideia da necessidade-justificativa está
muito longe de ser frágil. De vez em quando encharca algum caminho e deságua em coisas como “Olha, eu acho que você pode, e até deve,
fazer suas pinturas e desenhos. Mas isso é hobbie! Pra sua vida, tem
que ter uma profissão de verdade!”.
Pois foi, de certa forma cedendo créditos ao inimigo, que outro dia me vi feliz por (re)descobrir uma RAZÃO bastante clara para se produzir arte: Eu estava (re)vendo o conteúdo de minha pasta-verde-de-desenhos-muito-antigos e peguei um trabalho (é, chamo os meus desenhos de 'trabalhos') que acabara de completar trita e dois anos, feito na véspera do meu décimo sexto aniversário por um outro eu, que viveu há zilhões de histórias. E de um modo quase mediúnico, pude lembrar do risco inicial do lápis, da escolha das cores nos micro-tubos de aquarela, do vidro de nanquim, dos pincéis... mas, principalmente, tive uma 'conversa' com aquele 'eu' quase criança que pacientemente me relatou as muitas intenções e conquistas habitantes daquele papel formato A4.
Desenho com nanquim e aquarela sobre papel