Daqui a pouco, vai
ficar tudo na terceira pessoa porque tive que sair, me ver de fora,
para traçar (ia escrever “entender”, mas seria exagero) pelo
menos uma parte do que estava acontecendo. Achei justo,
portanto, narrar a história desse jeito, estrangeiro de mim mesmo.
O sujeito, o personagem, o
ser vivente em torno do qual se aglomeram as palavras desse texto
está andando numa estrada reta. Não pergunta se gosta do caminho
nem duvida dele. Segue em frente. A crise, que vai dar algum sabor ao
percurso, está prestes a saltar nas suas costas, mas ele não sabe
ou, se sabe, guardou o conhecimento em algum canto escuro sem revelar
nada aos olhos ou aos pés.
Assim, quando o
turbilhão o alcança, faz uma festa com o pobre. Nem sinal da
estrada reta, pior, pés e chão viram conceitos vazios de sentido.
Flutuar, quando possível, e engolir a água de todos os afogados são
as ações do momento. O controle dos nervos e tendões fica
esquecido e o homem só se dá conta de que estava se debatendo como
louco quando nota um cansaço insuportável em cada um de seus
músculos.
Desespero pra subir,
emergir, voar e poder pousar de novo no velho e conhecido trajeto.
Concentrando todos os
esforços, ele consegue eventualmente alguns breves instantes de
contato com o ar. Nessas horas respira com o desejo dos
sobreviventes. No entanto, fica claro que as últimas doses de
energia estão no fim. E a existência de terra firme surge como uma memória do passado distante que pertencia a outra pessoa.
Não é a inteligência
e nem a sabedoria quem traz um rumo, uma solução. Por total falta
de opções, ele escolhe o único destino que sobrou: o fundo. Vai
até onde não pode mais, fecha os olhos e pensa “agora ou vai
ou...” e abre as narinas e a boca inspirando tudo que é possível.
E, milagrosamente, apaga.
Uma eternidade depois,
abre os olhos e vê diversos rostos familiares, amigos. Todos aflitos
com uma espera, que parecia não ter fim, pelo retorno dele. Sorriem
aliviados e juntos.
Levanta (só então percebe que estivera deitado) encarando os rostos com ternura. Olha
o céu e os horizontes com a exata noção de que não tem a menor
ideia de onde está e nem para onde vai.
Leve e surpreso,
descobre que o sorriso continua na face e principalmente na
alma, lugar de que nunca devia ter mesmo saído.
Segunda Lição de Anatomia