Andar é muito simples: um pé sai do
chão, avança um pouco até encontrar apoio, o corpo vem pra frente
e daí é a vez do outro pé entrar na jogada e assim por diante.
Ninguém precisa de tutorial pra isso e qualquer criancinha com um
ano, ou um pouco mais, tira de letra. O problema, problemão mesmo,
aparece quando o cabra começa a perguntar, assim de repente, pra
onde vai apontar os passos. Ou pior ainda, acha de inquirir “pra
que partir?”.
Sei, sei, sei...todo dia fazemos essas
perguntas e não tem nenhum drama nisso, mas é porque nesse caso,
que fica na normalidade, a gente faz a pergunta já sabendo um tantão
da resposta. Perguntamos mais por perguntar, pra encher o tempo com
assunto, mas, lá dentro, o coração (ou o estômago, ou algum
desses órgãos dos quereres) já está impaciente apontando prum lado
há séculos.
Então, essa inércia extrema e
desnorteada (a que não enche o tempo com nada, só esvazia), ocupada
em soterrar desejos e cimentar pensamentos, me levou o foco e a
alegria por um curto (mas pesadíssimo) período de um raio de uma
crise depressiva.
Uma das medicinas-terapêuticas que
tentei consistia em buscar histórias, narrativas e cenários em que
o movimento fosse um personagem central. Queria ensaiar uma
inspiração pro meu ímpeto descongelar e se anunciar de uma vez.
Nessa pesquisa, dois achados:
i) A “Viagem Filosófica” e o
reencontro com os belíssimos desenhos que formam o registro
iconográfico da aventura fantástica patrocinada pelo governo
português com a intenção de desvendar um pouco do mundo de
mistérios ocultos nas matas brasileiras. A expedição teve início
em 1783 e durou nove anos colhendo informações sobre a fauna, a
flora e os habitantes da região amazônica, percorrendo e inventando
quarenta mil quilômetros de caminhos.
ii) A praia usada como pista de
corrida. Não só pela maravilha que é ver a água imensa e inquieta
enquanto vão ficando as pegadas que provam e atestam a decisão e o
rumo, mas também pelo poder purgante-de-toda-desgraça que as ondas
têm. O chão, menos que sólido, exige esforço e transforma o
trajeto em tarefa, mas oferece presentes que servem para registrar (a
exemplo dos desenhos da Expedição Filosófica aí de cima) a cisma
de ir e ir mais. Foi assim com um caco de vidro que recolhi outro
dia, privado das arestas e do brilho, tornado arredondado pelos grãos
e pela água de sal. Continuava belo, verde e translúcido, mas
inofensivo.
Antes de terminar a conversa, quero
confessar que me incomodou essa palavra “inofensivo”, pois gosto
de pensar que meu lugar é mesmo o fio da navalha, é lá que me
sinto vivo.
Mas tudo bem, cautela agora: fortalecer
a musculatura e correr e correr, até poder voar sem tanto risco de
morrer na próxima queda...
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