segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Transformações de Galileu


Andar é muito simples: um pé sai do chão, avança um pouco até encontrar apoio, o corpo vem pra frente e daí é a vez do outro pé entrar na jogada e assim por diante. Ninguém precisa de tutorial pra isso e qualquer criancinha com um ano, ou um pouco mais, tira de letra. O problema, problemão mesmo, aparece quando o cabra começa a perguntar, assim de repente, pra onde vai apontar os passos. Ou pior ainda, acha de inquirir “pra que partir?”.
Sei, sei, sei...todo dia fazemos essas perguntas e não tem nenhum drama nisso, mas é porque nesse caso, que fica na normalidade, a gente faz a pergunta já sabendo um tantão da resposta. Perguntamos mais por perguntar, pra encher o tempo com assunto, mas, lá dentro, o coração (ou o estômago, ou algum desses órgãos dos quereres) já está impaciente apontando prum lado há séculos.
Então, essa inércia extrema e desnorteada (a que não enche o tempo com nada, só esvazia), ocupada em soterrar desejos e cimentar pensamentos, me levou o foco e a alegria por um curto (mas pesadíssimo) período de um raio de uma crise depressiva.
Uma das medicinas-terapêuticas que tentei consistia em buscar histórias, narrativas e cenários em que o movimento fosse um personagem central. Queria ensaiar uma inspiração pro meu ímpeto descongelar e se anunciar de uma vez.
Nessa pesquisa, dois achados:

i) A “Viagem Filosófica” e o reencontro com os belíssimos desenhos que formam o registro iconográfico da aventura fantástica patrocinada pelo governo português com a intenção de desvendar um pouco do mundo de mistérios ocultos nas matas brasileiras. A expedição teve início em 1783 e durou nove anos colhendo informações sobre a fauna, a flora e os habitantes da região amazônica, percorrendo e inventando quarenta mil quilômetros de caminhos.

ii) A praia usada como pista de corrida. Não só pela maravilha que é ver a água imensa e inquieta enquanto vão ficando as pegadas que provam e atestam a decisão e o rumo, mas também pelo poder purgante-de-toda-desgraça que as ondas têm. O chão, menos que sólido, exige esforço e transforma o trajeto em tarefa, mas oferece presentes que servem para registrar (a exemplo dos desenhos da Expedição Filosófica aí de cima) a cisma de ir e ir mais. Foi assim com um caco de vidro que recolhi outro dia, privado das arestas e do brilho, tornado arredondado pelos grãos e pela água de sal. Continuava belo, verde e translúcido, mas inofensivo.

Antes de terminar a conversa, quero confessar que me incomodou essa palavra “inofensivo”, pois gosto de pensar que meu lugar é mesmo o fio da navalha, é lá que me sinto vivo.
Mas tudo bem, cautela agora: fortalecer a musculatura e correr e correr, até poder voar sem tanto risco de morrer na próxima queda...

Stopmotion


2 comentários:

  1. Esse está entre os seus desenhos que mais gosto. Há tanto nele...
    Li o texto, olhei o desenho, voltei ao texto e ao desenho. Parei no último parágrafo e fiquei pensando na navalha e na cautela. Ufaaaa..., continuo pensando.

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