Logo
depois da virada do ano, no primeiro domingo, a praia nos recebeu
indisposta, de cara feia. Lixo pra todo lado. A impressão era que a
areia nunca mais ia conseguir se livrar daquela sujeirada. Um
pensamento ranzinza e reclamão (que me fez lembrar que estou ficando
velho) apareceu na mesma hora: “o pessoal já começou mal
odoismilequinze! vêm comemorar e largam o lugar imundo desse
jeito!”.
Por
pura sorte, desviei o olhar num microinstante e vi o trabalho
consistente e confiante de um gari na luta contra os detritos. Com
aquela imagem já devidamente armazenada, mudamos o sentido da
caminhada e fomos para o posto-nove-que-não-há. Conforme andávamos,
a areia ia ficando mais limpa e as pessoas menos numerosas. A
respiração e a conversa quase podiam voltar ao
como-devem-ser-sempre. Uma onda quebrou forte e barulhenta na areia
para lembrar que, pela zilionésima vez, naquela manhã, o mundo
reinaugurava esse negócio de existir.
Quando
as pernas e o cansaço avisaram que era hora de parar, o relógio da
calçada acendia um 8:55 e logo trocava pra 4
jan. Fiquei um tempinho meio abobalhado, recebendo
ciclicamente aquelas duas informações que se alternavam...aí,
restartei o cérebro e corri pra minha água de coco.
Enquanto
saboreava aquela delícia de estalar a língua, pude ouvir, acima de
todo burburinho matinal, o Tempo gritando pra mim e pra quem mais
quisesse prestar atenção: Olha, Abri tudo quanto foi porta! Os
caminhos estão aí! Agora é com você!
Quebracabeça
A realidade, muitas vezes simples e clara, escondida pelo olhar dificultado por nós mesmos. Adorei! Quem nunca se viu, ao olhar para trás, nessa situação? E o momento em que a mudança do olhar começa, no vislumbre cotidiano de um simples e único gari, que tem na sujeira sua matéria prima de trabalho e transformação. E mudam a paisagem, a percepção do ciclo das ondas, do tempo, da pulsação e..., voilà! Um brinde à vida com água de coco! Que delícia de casamento entre texto e imagem!
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