sábado, 29 de março de 2014

"É fila? ou pega senha?"


A primeira vez foi assim:
Eu tenho quinze, dezesseis anos no máximo e me sinto fora do mundo (com essa idade, quem não?). Aprendi metade de tudo com os olhos, nas letras literárias dos livros, e a outra metade com a pulsação dos passos, no chão do meu bairro pequenino e distante como o diabo. Essas experiências, que são para mim como água e óleo, me deixam assim, exilado da sensação de estar no caminho. Sonho constantemente que a arte pode milagrosamente virar minha bússola e me mostrar um onde qualquer. Mas os dias passam e só o que trazem são outros dias, direção que ė bom, neca! Nesse tempo que se arrasta, chega uma ventania de sacudir a tranquilidade e as antenas não-parabólicas que comandam o que aparece nas telas da época. Na nossa casa, a antena fica no alto de um prédio de uns sete metros de altura, nos fundos (meu pai, mestre do exagero, fez um miniedifício pra sustentar uma super caixa d'água). E lá vou eu, subir no lugar mais alto do bairro, reapontar aquele treco pro lado certo e trazer as imagens de volta pra tv. Quando chego no topo da escada, já está chovendo à vera e começa a trovejar. O ar fica muito viscoso, e eu passo a me mover muuuito leeenntaaameenntteee. Os raios caindo cada vez mais próximos. Sinto minha saliva ganhar um sabor metålico, indicando que estou pronto... fico um bom tempo “olhando” pra cima, mas de olhos fechados, esperando sei lá o que. De repente, começo a descer a escada e não vejo o trajeto que me leva até o rosto preocupado da minha mãe perguntando "você tava lá em cima até agora?".

A segunda aconteceu há poucos dias:
Eu estou dirigindo, levando minha família pra casa, e um carro fecha meu caminho e para no meio da rua. Descem duas pistolas apontadas pra direção de algum ponto próximo da minha cabeça. Um dos assaltantes chuta a porta ao meu lado e eu sinto a saliva ganhar aquele mesmo gosto metálico, indicando, de novo, que estou pronto...

 Sonho de Sal

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