A primeira vez foi
assim:
Eu tenho quinze,
dezesseis anos no máximo e me sinto fora do mundo (com essa idade,
quem não?). Aprendi metade de tudo com os olhos, nas letras
literárias dos livros, e a outra metade com a pulsação dos passos,
no chão do meu bairro pequenino e distante como o diabo. Essas
experiências, que são para mim como água e óleo, me deixam assim,
exilado da sensação de estar no caminho. Sonho constantemente que a
arte pode milagrosamente virar minha bússola e me mostrar um onde
qualquer. Mas os dias passam e só o que trazem são outros dias,
direção que ė bom, neca! Nesse tempo que se arrasta, chega uma
ventania de sacudir a tranquilidade e as antenas não-parabólicas
que comandam o que aparece nas telas da época. Na nossa casa, a
antena fica no alto de um prédio de uns sete metros de altura, nos
fundos (meu pai, mestre do exagero, fez um miniedifício pra
sustentar uma super caixa d'água). E lá vou eu, subir no lugar mais
alto do bairro, reapontar aquele treco pro lado certo e trazer as
imagens de volta pra tv. Quando chego no topo da escada, já está
chovendo à vera e começa a trovejar. O ar fica muito viscoso, e eu
passo a me mover muuuito leeenntaaameenntteee. Os raios caindo cada
vez mais próximos. Sinto minha saliva ganhar um sabor metålico,
indicando que estou pronto... fico um bom tempo “olhando” pra
cima, mas de olhos fechados, esperando sei lá o que. De repente,
começo a descer a escada e não vejo o trajeto que me leva até o
rosto preocupado da minha mãe perguntando "você tava lá em
cima até agora?".
A segunda aconteceu há
poucos dias:
Eu estou dirigindo,
levando minha família pra casa, e um carro fecha meu caminho e para
no meio da rua. Descem duas pistolas apontadas pra direção de algum
ponto próximo da minha cabeça. Um dos assaltantes chuta a porta ao
meu lado e eu sinto a saliva ganhar aquele mesmo gosto metálico,
indicando, de novo, que estou pronto...
Sonho de Sal
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