O sonho é assim: eu estou indo com uma
certa urgência e angústia para a frente do espelho. Quando me vejo,
percebo que minha pele toda está coberta de espinhos, milhares
deles. Acordo imediatamente, e o vislumbre foi muito muito rápido,
mas fico impregnado por uma sensação de que estou fora da ordem ou
que fui excluído da parte relevante do mundo, talvez, por ter
frustrado espectativas de quem se aproximou e foi espetado. Tenho
certeza de que esqueceram de me dar um aviso muito importante e que
fatalmente vou perder alguma coisa.
É isso, ser
inadequado é um dos meus pesadelos. Se não são espinhos,
tenho plena consciência de que possuo cotovelos, joelhos e quinas
contundentes em demasia. Por mais que eu busque a delicadeza, sei
como é fácil ferir alguém no meu caminho por aí. Pior, a
probabilidade maior é de acertar alguém que eu amo, e que, por isso
mesmo, está por perto. Só pra citar um exemplo, fui surpreendido
outro dia com o nível de preocupação que me assaltou ao ver minha
filha de dezoito anos pondo água no fogo pra fazer miojo. É duro
ver que o amor, sim, mesmo ele, pode se traduzir em ações nocivas,
e conduzir a coisas como superproteção (ou sentimento de posse ou
ciumes) que emperram o percurso mais pleno da vida de quem (logo
daqueles) queremos cuidar com tanto carinho. Parece brincadeira
(sim, é estúpido e me envergonho muito disso), mas nem sempre é
claro pra mim o absurdo da loucura que se mostrou presente no
episódio do medo-do-macarrão-fervente.
Nessa hora,
preciso usar toda minha energia e mais um pouco para não ir para o
extremo oposto, paralisar completamente as ações e movimentos, por
constatar a capacidade de atingir olhos e lábios ao meu redor. Minha
cabeça fica preenchida com a ideia de que podemos ser pesados de
verdade, e não há maneira de um hipopótamo pular gentilmente no
colo de quem quer que seja. Ficam sequelas e esmagamentos.
Respiro fundo e
tento me encher de coragem para voltar a navegar, com atenção
redobrada em manter o rumo e o prumo do barco. E sigo sussurrando
minha prece: vamos, vamos... “depressa e devagar”...
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